quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A Educação Possível


Educação é algo bem mais amplo do que escola. Começa em casa, onde precisam ser dadas as primeiras informações sobre o mundo. Continua na vida pública, nem sempre um espetáculo muito edificante na qual vemos políticos concedendo-se aumentos em cima de seus já polpudos salários, enquanto professores recebem salários escrachadamente humilhantes, e artistas fazendo propaganda de bebida num momento em que médicos, pais e responsáveis lutam com a dependência química de milhares de jovens. Que é público mesmo que não queira, é modelo: artistas, líderes, autoridades. Não precisa ser hipócrita nem santarrão, mas precisa ter consciência de que seus atos repercutem, e muito. Estamos tristemente carentes de bons modelos: milhares buscam alguém que lhes possa transmitir a esperança de que retidão, dignidade, incorruptibilidade, ainda existem.
Mas vamos à educação nas escolas: o que é educar? Como deveria ser uma boa escola? Como se forma e se mantêm um professor eficiente, como se preparam crianças e adolescentes para este mundo competitivo onde todos têm direito de construir sua vida e desenvolver sua personalidade?
É bem mais simples do que todas as teorias confusas e projetos inúteis que se nos apresentam. Não sou contra colocarem um computador em cada sala de aula neste reino das utopias, desde que, muito mais e acima disso, saibamos ensinar aos alunos o mais elementar, que independe de computadores: nasce dos professores, seus métodos, sua autoridade, sem entusiasmo e seus objetivos claros. A educação benevolente e frouxa que hoje predomina nas casas e escolas prejudica mais do que uma sala de aula com teto e chão furados e livros aos frangalhos. Estudar não é brincar, é trabalho. Para brincar temos o pátio e o bar da escola, a casa.
Sair do Ensino Fundamental tendo alguma consciência de si, dos outros, da comunidade onde se vive, conseguindo contar, ler escrever e falar bem (não dá para esquecer isso, gente!) e com naturalidade, para se informar e expor seu pensamento, é um objetivo fantástico. As outras matérias, incluindo as artísticas, só terão valor se o aluno souber raciocinar, avaliar, escolher e se comunicar dentro dos limites de sua idade.
No segundo grau, que encaminha para a universidade ou para algum curso técnico superior, o leque de conhecimento deve aumentar. Mas não adianta saber história ou geografia americana, africana ou chinesa sem conhecer bem a nossa, nem falar vários idiomas se nem sequer dominamos o nosso. Quer dizer, não conseguimos nem nos colocar como indivíduos em nosso grupo nem saber o que acontece, nem argumentar, aceitar ou recusar em nosso próprio benefício, realizando todas as coisas que constituem o termo tão em voga e tão mal aplicado: “cidadania”.
O chamado terceiro grau, a universidade, incluindo conhecimentos especializados, tem seu fundamento eficaz nos dois primeiros. Ou tudo acabará no que vemos: universitários que não sabem ler e compreender um texto simples, muito menos escrever de forma coerente. Universitários, portanto, incapazes de ter um pensamento independente e de aprender qualquer matéria, sem sequer saber se conduzir. Profissionais competindo por trabalhos, inseguros e atordoados, logo, frustrados.
Sou de família de professores universitários. Fui por dez anos titular de lingüística em uma faculdade particular. Meu desgosto pela profissão – que depois abandonei, embora gostasse do contato com os alunos – deveu-se em parte à minha dificuldade de me enquadrar (ah, as chatíssimas e inócuas reuniões de departamento, o caderno de chamada, o currículo, as notas...) e em parte ao desalento. Já nos anos 70 recebíamos na universidade jovens que mal conseguiam articular frases coerentes, muito menos escrevê-las. Jovens que não sabiam raciocinar nem argumentar, portanto incapazes de assimilar e discutir teorias. Não tinham cultura nem base alguma, e ainda assim faziam a faculdade, alguns com sacrifício, deixando-me culpada quando os tinha de reprovar.
Em tudo isso, estamos melancolicamente atrasados. Dizem que nossa economia floresce, mas a cultura, senhores, que inclui a educação (ou vice-versa, com queiram...), anda mirrada e murcha. Mais uma vez, corrigir isso pode ser muito simples. Basta vontade real. Infelizmente, isso depende dos políticos, depende dos governos. Depende de cada um de nós, que os escolhemos e sustentamos.

LUFT, Lya. A educação possível. Veja. Ano 40, nº 20, edição 2009. São Paulo: Abril, maio/2007, p. 22.

2 comentários:

  1. Oi Malu...
    Aproveitando um tempinho antes de postar no meu blog para te visitar aqui...
    Belíssimo texto da Lya...
    Educação é tudo...tenho pessoas na familia que são Educadoras, aliás , várias...hehehehe pena que Mami tenha deixado o Magistério para cuidar dos sete filhos...mas deixou uma herança razoável de educação em nosso seio...

    " ...Basta vontade real. Infelizmente, isso depende dos políticos, depende dos governos. Depende de cada um de nós, que os escolhemos e sustentamos..."

    Magnífico...concordo com ela...uma pena vermos uma dinheirama gasta à toa em salários falcatruentos e obras colossais, enquanto nossos jovens sequer têm carteiras e livros no interior...

    Mas um dia muda...e depende de todos nós...
    Um bjo carinhoso e Deus te abençoe !

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  2. Depende mesmo de cada um e de todos juntos!!!

    Belo texto que postaste querida...

    Um beijo ^_^•

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Obrigada pelo carinho.

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